In Memoriam...

Há cicatrizes que nunca deixam de doer...
Minha doce Avó, faz anos que o teu silêncio inundou de vez a minha vida. Anos que não regressam por muito que a saudade bata à porta do meu peito em alheias soalhadas. Respinga em mim ainda a última gota do orvalho que te viu partir naquele fim de tarde, de um sábado dorido e gravado a ferros no meu peito. O enjoo de uma baforada de gente, meia zonza, proliferando palavras de desgaste para este meu cérebro adormecido para a dura realidade que me imprimia em segredo a imagem da tua ausência. Quantas vezes desejei dizer-te tudo o que tinha amordaçado no meu peito desde que partiste. A dor de uma saudade imposta pela solidão de ti. Hoje consigo finalmente dar voz a este longo silêncio. Dizer-te tudo o que não tive tempo de te dizer. Eras a alegria dos campos de Outono, onde as folhas enfeitavam coloridas o laço do teu avental. Eras o pilar perfeito onde edificava o meu ser quando o vento das intempéries da vida depositava nos meus olhos as lágrimas do desespero. Eras o fiel repositório onde depositava em silêncio os meus segredos num acolhimento sincero de quem manejava com cuidado um cristal antigo. Foste a mão que me embalava o berço quando me aninhava em desassossego no teu colo.  A humildade singela de um tímido raio de sol sobre a neblina invernal, num campo coberto pela neve. Eras tudo o que define a perfeição humana numa face dócil, marcada pela rugosidade de um tempo que nunca foi fácil. O olhar que iluminava o meu dia e me fazia lembrar o azul de um céu primaveril povoado de andorinhas. E o cabelo branco onde navegavam meus dedos quando no silêncio da noite te velava a dormir.  Este foi o sonho que encerrei no teu silêncio, a perpétua vontade de nunca te deixar partir. E a dor que transmutava no meu peito o carinho pela raiva. A lembrança fria de uma terra que se ia abrindo sobre os pés encerrando-te em sete palmos. Hoje permaneço a lembrança, a saudade, mas abafo a dor e silencio a raiva. Hoje percebo que o Criador te recolheu no seu abraço de eterno Pai. Hoje esboço um sorriso de agradecimento a Deus pelo presente de te ter na minha vida. Hoje apesar da saudade continuar em ebulição no meu peito, já não sinto dor, nem mágoa, porque sei que a minha paz reflecte a tua paz e o teu silêncio é o cântico para que em mim se cumpra a tua felicidade. Por isso, me despeço de ti hoje, dizendo-te Adeus…não um adeus de despedida mas um A Deus, de quem confia alguém que Ama A Deus. Porque Hoje Avó, hoje, percebi que grandes palavras se escrevem com poucas letras. As maiores da minha vida apenas com três: MÃE, PAI, AVÓ, AVÔ….Aprendi que pouco faz sentido, se não tivermos a felicidade de crescer no seio de uma verdadeira família, aquela que cria, acolhe, educa, acarinha, ama incondicionalmente sem esperar retorno. O Senhor foi generoso para comigo e polvilhou a minha vida de graças, que não sei se cheguei a merecer. Por isso, calaram-se hoje, os tambores da ingratidão desmedida no meu peito. Adormeço a hipocrisia que me leva a ser vítima do meu próprio eu. Quantas crianças não sabem o que é o amor de um Pai? Um colo de Mãe? Ou mesmo o carinho dos Avós? A família é a cereja no topo do bolo da vida. A graça maior que nos faz viver. Hoje olho o céu e sem inibição esboço um grande sorriso, porque não importa quando se parte ou como se parte o importante é continuarmos vivos no coração de alguém.

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