Carta a uma ilusão de amor


Podia dizer-te tantas coisas. Inventar desejos, subterfúgios, mentiras pérfidas ou silêncios poéticos. Podia dizer-te coisas hediondas revestidas de segundos sentidos ou despidas de conteúdo por não ter sequer o que expressar. Podia dizer-te que te odeio como se não houvesse outro sentimento iludido em toda a face da terra…. Mas sei que não posso fazê-lo. Não posso mentir a verdade que grita mais forte que a dor. Esta dor que me mata nos redundantes falsetes da vida. Sinto a tua ausência em mim. O teu cheiro entranhado na minha pele. O teu respirar no meu ouvido numa cadência que me deixava louca. Por te querer, para te querer….e por não te ter.
Esta visão ainda é muito turva das omnipresenças que me deambulavam na mente face a ti. As vontades sórdidas de fugir no teu abraço. Ou as lágrimas caladas pela solidão da noite. Podias ser tudo: água, fogo, chuva, rio. Ilusão real, torre de babel. E eu deixei por ti meu mundo vazio, alheio ás sombras empedernidas das pessoas, que deambulam ao sabor do vento numa torrente de chuva e de lama. Não posso calar este momento. O verso solto que da língua se desprende como um eterno trovão rasgando a terra. Não posso esperar que as lágrimas se transmutem em sangue, e o silêncio seja apenas morte. Quero apenas voltar ao teu regaço. Ao ninho abandonado da inocência. Ao controlo exacerbado da inconsciência inconstante em ti. Ao mergulhar profundo nos teus olhos de cristal. Á metamorfose invertida do teu corpo. Eras mais vezes santo que louco, e eu amava-te.
Amava-te na esperança que desvanecesse de mim esta loucura. Eras a pirâmide inconstante da nova cultura. O topo de tudo e de nada. O oposto dos contrário repartidos por si mesmos. Eras tantas vezes sangue escorrendo nos meus braços numa morte quase profética, que reagia no último segundo de abandono. Sorvias gota a gota minha vida em tua boca, como se fosse apenas água de uma nascente qualquer jorrando lágrimas doces em depressão. Eras tanto e eu para ti nada. Nem o vulto transparente de mim te iludia. Nem o ranger do soalho dos meus passos junto aos teus na escadaria do teu quarto. Nem a voz já arrastada da velhice que me tomava as escondidas em cada novo dia. Não me sonhavas em desejo como eu te esculpia acordada. Não me desenhavas o rosto em ilusões de ternura. Não traçavas o teu caminho a interferir com o meu. Nem acreditavas no destino, como definido por Deus. Mas eu amava-te. Amava-te na tua inconsciência de mim. No teu desconhecimento precoce desta sombra que te agarra. Na infantilidade poeta de um amor quase platónico. De uma coesão perfeita entre a pele e o perfume.
Deixas-me a apodrecer nas barcas da ribeira. Entre a canastra e a peixeira. Entre as ondas e o bico das gaivotas. Deixas-me afogar em esperanças loucas, em visões de sol-posto sobre as águas de prata, numa ponte que toca as sombras numa magnitude prosaica. Sou tanto de ti e tu de mim nada. Nem gota de orvalho na tua alvorada. Sou e serei apenas uma ilusão no vento, proa de barco atracado no prenúncio do teu esquecimento.

Comentários

Unknown disse…
na torre de babel se naão me engano no fim passaram todos a falarem linguas diferentes mas ás vezes tenho esse medo pois sou limitado a uma mente mas tu tem sempre muitas palavras para o meu espirito sempre experiências para ele falas bem...

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