Á memória da minha doce Avó Glória

À memória da minha doce Avó Glória...

Quando as cicatrizes que camuflamos na pele nos gritam dentro do peito...

Trago no peito sulcos velhos de saudades e as lágrimas antigas de um chorar tão novo. Talvez haja em mim a persistência quase crua das memórias. De fruir o tempo numa caixa de Pandora que nem a ousadia insana da demência se permite a abrir. E tem sido assim este meu emaranhado de poemas, penas velhas entre açucenas, lápides lavadas em rios de saudade crua. Todos os dias me perco um pouco mais entre os socalcos dessa desventura, o manto premeditado da morte, que nos desafia a resiliência de agarrarmos a vida. Todos os dias trago os minutos na pele contados pela minuciosidade de um tempo que em enfermidades se esgota à loucura pronunciada e consentida de te guardar na memória dos afectos, de filhos que geraram netos entre as rugas sábias da tua eterna formosura. Transmuta-se em mim o esplendor do sol na prata fria da lua, e o punhal aceso que ao peito me arranca a desventura. Não sou colecionador de desassossegos, coleciono sorrisos entre sigilos e medos, e a feroz perda que me morde os calcanhares por toda a vida. Prefiro perder-me o rasto em maresia a conformar o peito a abrigar-te a alma... Sou feita de memórias, de águas claras, e por destino inóspito de tantas perdas... De gente que não se deixou somente viver e foi à luta, de sorrisos por vezes amargos qual cicuta, mas que me injectaram sempre a coragem de não desistir. Sei que trago em mim o âmago da sofrência, sei de cor a dor das lágrimas em cadência, sobre o peito vestido em puro breu... Sou o desfolhar de um luto que não se acomodou à solidão das ausências. Permanece em mim entre as horas serenas, em que o meu peito trespassa a dor em ebulição. São Pais que perderam filhos e irmãos, pais que partem no tempo consumido pela morte quando o prazo de validade corpóreo nos suga o norte e nos dá em bofetada a despedida. São 17 anos sobre a tua morte avó. Num luto árduo ao qual o tempo juntou tios, primos e tantos que na alvorada do seu tempo ou na velhice terna se transmutaram na solidão da ausência. Grita em mim a saudade que não se cansa de me abrir as feridas. Morde-me a ausência desse rosto calmo que me sabia ler como se a minha pele fosse um livro aberto ao teu olhar atento a cada minha rebeldia. Sei que vigias cada passo, que tantas noites me envolves no teu abraço, quando a saudade me sufoca em tanta hora mal dormida. Sei que apenas não te vejo, mas sinto em mim o teu cheiro, a tua voz em cada dúvida que me percorre a mente quando penso não haver saída. Sei que cada dia me recoso e me forço a retornar inteiro. Não há outro caminho, nem diferente meio, de calar o desespero de uma saudade que terá sempre em mim a sua voz. Não é nem nunca será uma voz de despedida, pois trago em mim numa fé renascida o encontro prometido ao povo eleito. De voltarmos após tempo incerto ao reencontro de almas na cidade eterna.

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