Ao meu querido Pai

Desafio o tempo a me dar tempo para partilhar contigo. O tempo que a mero merecimento se torna escasso, na partilha desmedida do abraço com que em gratidão te agradeço a vida. A reviravolta das lembranças que me arrancas a cada novo trejeito que o teu rosto ganha ao ser esculpido pelo tempo. O perfeito traço que se desenha em ruga sobre o rosto, quando ao tempo a idade já não perdoa. A trama de um silêncio que conheço de cor, quando na vertigem do cansaço, se aninha sem espaço, as memórias que em afecto se tecem no coração, num amor devocional e gratuito, de quem correu mundo para que o nosso mundo fosse melhor. Quem por intempéries e lágrimas escondidas nos fez ganhar vida e ser alguém. Não há amor maior, para o qual não se consegue medir o valor, nem a doação por inteiro, de alguém que se fez esteio e na partilha nos deu um chão, um tecto, uma mesa e um lar. Não há gratidão que se meça ao sentimento. Não há dedicação que chegue, a quem se despiu de si, para vestir os filhos. A quem abraçou a cruz da emigração para que os filhos não passassem a infância que os seus pais tiveram, de trabalho precoce e privações. A quem nos ensinou a caminhar e nos auxiliou sempre no caminho. Numa mão atenta que nos impede de cair, no abraço apertado, na palavra amiga, no ralhete certo que nos fez crescer. A quem se doou sem retorno, num tempo sem dono, no qual só existimos nós.
Só faz sentido tatuarmos no peito as lembranças que partilhamos na vivência contínua de uma entrega mútua e forte. Os momentos únicos, que ainda hoje nos fazem sorrir, nas traquinices que a nossa meninice nos permitia roubar ao teu diário cansaço de um trabalho exacerbado que se transmutava em pão. Um pão por vezes temperado em suor e lágrimas quando a distância dos filhos foi a opção de um futuro em que haviam de vencer. Não há cobranças a fazer numa memória justa, de quem viu de perto o sofrimento, com que se deixa o coração fora de casa. Não há palavras que cheguem para agradecer o quanto fizeste por nós. Talvez fosse de mais Pai. Talvez hoje a fasquia esteja demasiado elevada e por isso é que eu continuo a por os pés à estrada para poder retribuir, não em obrigação mas em devoção, a alegria de poder cuidar de ti. De debicar a atenção do teu sorriso nem que seja por breves momentos. A certeza de um dever cumprido, aquele que te traz diariamente comigo, num amor incondicional de quem te guarda em constante devoção. Não tenho palavras para te agradecer Pai. Não há palavras que cheguem para exprimir o que guardo em carinho e gratidão no peito. Agradeço a Deus a bênção e a graça de me ter feito nascer em teus braços e o orgulho com que trago gravado no peito o teu nome, meu querido Pai.


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