Cadências de alma em vertigens de dois corações

Somos os tormentos paralelos de uma raiva em uníssono contida. Corremos os rios de mosto, as estradas em fogo posto, sob os candeeiros da avenida. Somos os vitrais das montras matutinas, as pedras já polidas pelas varinas, no pregão que se fez eco sobre o vento. Somos a liberdade de uma escolha que à vontade deu asas ao sentimento. O bater das ondas sobre o corpo, o despido frio, face ao desconforto, da nudez que pelos ombros nos abraça. Somos na pele o arrepio, num toque consentido e meigo desafio, do vento intruso pela vidraça. Somos os parcos passados inquietos, de um riso escancarado verso, de um segredo que se tornou sossego ao toque da pele deposto. A chama quase altiva, que devora na intensidade da vida, a timidez ao rosto. Somos o pretexto desconexo, da moeda o reverso, entre as pétalas que se desfolham ao sopro do Outono. Somos as luzes de inquietas sombras, a dança dos reflexos entre as formas, as geométricas incógnitas que se desenham pelo pó da terra. Somos a destemida paz e a calma guerra. A melodia improvisada na cadência perfeita, ao ritmo compassado do coração. Trazemos por defeito gravado dentro do peito, o fogo de um vasto incenso, a paixão... Por isso, dá-me dos teus olhos todos os poemas, as lágrimas polvilhadas de açucenas, o derradeiro fim. E leva-me entre as estrelas pelo céu maduras, os dias longos das minhas loucuras, o palato de um salgado mar. Dá-me dos teus braços os mais puros afectos, os abraços que de filhos viram crescer netos, as saudades que se tatuam no peito a carvão. Dá-me da vida todas as lembranças, os rostos inocentes de crianças tocados pelo sol de abril. A lua amanhecida em fértil ventre, o amor gratuito, dócil e transparente, a viagem que se faz na mente, na queda das folhas de um poente anil. Dá-me de ti todas as promessas, as minhas calmas e as tuas pressas, os verões cinzentos que viraram sol… traz-me presente sobre os teus reflexos, todas as carícias, todos os afectos, as palavras ditas só pelo olhar. E eu prometo ficar em todos os recantos, nos silêncios frios que a tua alma alberga, e tu serás sempre o poema, que  num fim de tarde amena, eu bordei em mim.

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