Condenação


Vivemos, tantas vezes, à mercê de uma alheia sorte, e nem na morte, deixam terrenamente de nos condenar.

Seremos sempre o produto inacabado de uma sociedade que nos corrompe, que nos molda e que nos destrói. Somos seres rotulados à nascença, como se nos tratássemos de uma doença que ninguém quer contrair. Rotulamos a raça, a sexualidade, a cultura, hierarquia, etc… tudo serve para nos tornarem diferentes ou não aceites. Tudo serve para nos usarem como carne para canhão. Para sermos a margem de um rio que nos banha a sangue. Não é a sexualidade, nem a cor da pele, nem a riqueza que define o ser humano. O que define o ser humano é o carácter. O carácter não se implanta, não se finge, tal como a humildade, é inato, vem de dentro e ou se possui ou nem adianta forjá-lo, porque a forma será imperfeita por natureza. Procuramos copiar culturas da descultura. Envergonhamo-nos do bem que podemos fazer e não fazemos. Talvez porque o ser humano tenha mais capacidade para se deixar tentar pelo mal. E vivemos a vida num tremendo carnaval, mais preocupados com a cor dos confetes do que com quem desfila silenciosamente na avenida. Mesmo que quem desfile seja a própria morte…. A morte imperativa e triunfal que engole vidas em fase de amadurecimento. A morte que nos sai em sorte ao hábil julgamento de quem nada sabe de nós. Vivemos na era dos semeadores da morte. Gente que se ilude que a vida humana é um troféu. Um prémio de caça. Um jogo de playstation em que vivemos numa realidade paralela a tudo o que nos foi oferecido para viver. Este não é nem nunca será um atentado contra ideologias políticas, religiosas, económicas ou sociais. Este é um atentado em toda a sua plenitude contra a Humanidade. O valor da vida humana decaiu como uma acção da bolsa de uma empresa já por si, à nascença, falida. A sociedade não se tolera em si mesma. Somos os primeiros a julgar o injulgável. Somos os primeiros a apontar o dedo, e se o dedo fosse uma arma, será que com a mesma facilidade não se dispararia?
Ninguém sabe as cicatrizes que suportamos na pele. Ninguém sabe quanto nos sufoca o nosso próprio silêncio. Ninguém conhece a dimensão da nossa dor. Nem muito menos o tamanho da nossa tristeza. Quantas vezes chegamos ao fundo do poço e não há mão que nos faça subir. Quantas vezes precisávamos que alguém, por meio minuto que fosse, reparasse em nós. Quantas vezes a solidão é a nossa maior companheira. Quantas vezes decidimos desistir de nós e nos demos mais uma chance. E quando já não houver chance e a vida nos escorregar dos dedos pela tentação da morte, saberás tu, em vez de me condenar, perceber até que ponto foi fruto das tuas ausências, a transparência em que a vida me deixou?
Serei sempre a causa e efeito dos meus próprios actos, mas se a vida é uma cadeia de elos e laços, porque me perdi nos meus próprios passos sem nunca me cruzar contigo?

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