À memória do meu Bisavô Aníbal Martins Araújo

 Não é fácil descobrir rostos entre a poeira dos anos e sabê-los devorados por uma guerra onde a grande vitoriosa foi a morte. Mas prometi a mim mesma, que te iria roubar ao esquecimento, que te iria retirar das brumas e descobrir-te o rosto. O tempo já me tinha levado os avôs, um quando eu ainda nem era nascida e outro pelos meus três anos de idade. Habituei-me a ouvir as memórias de tantas histórias que falavam do meu avô Zé e de quantas vezes ele parecia não aceitar a perda do Pai. Esse Pai que eras Tu. Sim, o meu bisavô Aníbal, falecido na primeira guerra mundial, deixando dois filhos, um com apenas 4 anos de idade. O meu avô Zé, carinhosamente apelidado de Bodêgo, viu a morte levar-lhe o pai em terna idade e a vida árdua levar-lhe a mãe emigrada para o Brasil levando com ela o seu outro filho, o Manuel. Do pai restava-lhe apenas a pensão do preço do sangue, solicitada pela mãe em 08 de julho de 1919, que terminaria em 03 de outubro de 1936. E o sangue transmutava-se em lágrimas de uma criança à mercê da aspereza da vida. Tal foi a marca que a morte deixou naquela criança, que quando nasceu o seu filho mais velho, lhe colocou o nome do falecido pai. O meu avô Zé dizia-se um homem sem sorte, pois tinha vindo ao mundo no dia 13 de maio de 1913, faleceu no auge da vida, prematuramente, rebentando-lhe uma veia no esôfago. Não tive o privilégio de o conhecer, mas carrego comigo o seu nome, com uma dedicação e orgulho, do homem que aprendi a amar pelo coração da minha avó Glória, com aquele carinho e saudade com que dizia: “O meu Zé”. Hoje cumpro o que me prometi, ressuscitar das memórias da guerra o teu Pai, avô, sinto que te devia isso, que seria para ti um orgulho enorme que as gerações futuras soubessem que o teu Pai tombou bravamente no campo de batalha. Mas que não está esquecido, nem perdido no tempo, numa vala comum. Hoje eu sei onde repousa o homem que te deu o ser. Hoje tenho a foto, o boletim do CEP, o reconhecimento do monumento onde está inscrito o seu nome para toda a posteridade, e a sepultura. Resta-me falar-vos um pouco dele e da sua história. Era filho de Luiz Martins e de Maria Emília. Nascido em 20 de outubro de  1894, em Ínsua, concelho de Penalva do Castelo, casou com Júlia Martins com a qual teve dois filhos José Martins de Araújo (Zé Bodêgo) e Manuel Martins de Araújo. Pertenceu ao Regimento de Infantaria nº 34, de Mangualde, que se encontrava aquartelado em Pinhel, 1º cabo nº 471, da 6ª companhia. E é precisamente em Pinhel que no Monumento aos Combatentes da Grande Guerra está inscrito o seu nome, entre outros soldados do mesmo regimento falecidos em combate. 
Embarcou para França em 19 de janeiro de 1917, integrando o 1º Corpo Expedicionário Português, com a placa de identificação nº 10399. Combateu em New Chapelle na 1ª linha. Faleceu em França a 6 de agosto de 1918, “por ferimentos recebidos durante um bombardeamento aéreo feito pelo inimigo, sendo sepultado no cemitério da comuna de Isbergues”. Foi trasladado para o cemitério de Richebourg L’Avoué. Onde se encontra sepultado no Talhão B, Fila II, Coval 5. A lápide está praticamente ilegível, corroída pelos anos. 
Mas talvez seja hoje, o primeiro dia em que a alma de um guerreiro pode descansar em paz. Porque foi reencontrado pela família. Se o amor de pai é eterno acredito que a tua morte avô, te levou de regresso ao colo que a vida injustamente te roubou. E para a posteridade fica a memória genealógica que se perpetuará pelos tempos, enquanto os herdeiros do teu sangue povoarem a face da terra.
Um agradecimento especial ao administrador do CEP no facebook, residente em França, que após a minha abordagem, se prontificou a ajudar e foi pessoalmente fotografar a campa do meu Bisavô. E ao senhor Jorge, da Liga dos Combatentes do Núcleo de Pinhel, que gentilmente, após o meu telefonema me envio a foto do monumento e me comprovou que o nome do meu bisavô constava na mesma. E à minha prima Sandra por me ter feito chegar a peça que faltava, a fotografia. A todos um enorme Bem-Haja.



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