A catadura do egoísmo numa ingrata loucura

Calcorro o deserto de um tempo que de ido, se foi. Não há réstia de uma lembrança parca à mercê desmedida de um tempo que em si se deteve egoísta, por um capricho próprio que lhe negou o prazer. Já não há facadas que há traição me façam morrer. Sou o libertino silêncio das cinzas de tantas palavras suicidas que já não servem a ninguém. Sou o livre arbítrio de um respeitável vício que de obrigação nada tem. Não remordo o lábio ao remorso que não existiu face à consciência leve, de um breve suspiro que me impediu de partir. Pulsa o sangue escarlate que se despe entre a face do que por fim há-de vir. Não recoso feridas que o tempo deixou de ferir. Não me perco pelos labirintos de promessas vãs em que o silêncio deixou metas por cumprir. Sou o ponto intermédio do que veio e do que há-de existir. A ponte ténue entre o passado e o futuro que nada será, senão presente. Talvez a loucura atrevida ou desmedida de alguém que não existe, mas mente. Mente a coragem que se envolve em cobardia. A espada que se ergue na mão já fria. A crueldade acesa de uma vida feita de ilusões e caprichos decadentes. Mundos mirabolantes de mentiras corroídas entre dentes. Não há face mais medonha que aquela que escorre a raiva paralela, amortecida em prantos de uma felicidade ensaiada ao espelho. A dó de um segredo que ninguém despe, entre pontas soltas de um vocábulo que de insipido se perde entre as pedras de uma calçada nua de qualquer afecto. Mente a mente que se reflete incoerente, entre o hoje e períplo incandescente de quem de ausente se perde, entre passado e presente, na lacuna de um tempo que não viveu. Recuso-me a colecionar memórias de verdades alheias que me corrompem. Sou a inconformidade paralela de esquemas arquitetados para me manietar o pensamento. A única verdade é, progressivamente a minha, aquela que eu adorno em labaredas de um inferno, que apenas eu sei como fazer arder. Só eu sei para que lado faço soprar o vento, e o momento em que o devo libertar. O suspiro incerto que se afeiçoa ao peito, na hora certa, de uma verdascada que faz a pele estalar. Não vivo para que me julguem as infrontralidades do que sou ou serei. Sei onde calco em vão o caminho, refaço os passos, pé ante pé, devagarinho. A estrada é feita de culpas, de figuras que de obtusas me deformam as origens. Sou a vítima do cansaço e de uma temporalidade que não foi minha. Hoje passo desprovida de embaraço, como a cortiça à tona da água, numa insolvência escassa em conteúdo. Já decorei mil vezes a história que escrevi da minha vida. E sempre que ato as pontas, a capa destapa as palavras rotas de uma inverdade consentida. Eis a trama real da minha ilusória vida, a contração muscular que em desgosto, entre rugas definham o rosto. Talvez a vida de aparência seja soberbamente alucinada ou egoísta, ou pelo menos traz as mentes medíocres entretidas, ou seria a morte mais enfadonha e triste do artista.

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